Hoje é 22 de fevereiro de 2112. Eu estou escrevendo para contar como o mundo conseguiu reverter a mudança climática e a destruição do meio-ambiente da Terra e de quebra evitar a própria destruição. Estou fazendo isso porque hoje é um dia muito especial. Hoje eu completo 100 anos e vivenciei todo este processo de transformação.
Nasci no ano em que muitos acreditavam que seria o fim do mundo. Algo a ver com um certo calendário Maia, mas nunca consegui entender direito o que uma coisa tinha a ver com a outra. O fato é que cresci em um mundo que se tornava cada dia ao mesmo tempo melhor e pior. Melhor porque todos os dias surgiam novas maravilhas tecnológicas com o potencial de melhorar a vida de todas as pessoas. Pior, porque nem sempre essas melhorias atingiam todas as pessoas.
Nasci no Brasil, no interior de São Paulo. Durante minha infância, me vi cercado de canaviais, então uma promessa de energia sustentável para o mundo. Mas apesar desta promessa, a humanidade continuava a destruir nosso mundo e aqueles canaviais sustentáveis pareciam fazer parte desta destruição. O ano em que eu nasci (2012) foi ao mesmo tempo um dos mais quentes e mais frios anos da história. Apesar da crise econômica que afetava a Europa e ajudava a reduzir um pouco as emissões de gás carbônico, parece que o estrago já estava feito. Mudanças climáticas bruscas, furacões como nunca vistos, secas devastadoras e o derretimento definitivo das geleiras no pólo norte foram o aviso final. Algo precisava ser feito.
Eu devia ter uns 12 ou 13 anos quando as mudanças começaram. Planos mirabolantes para reverter as mudanças climáticas eram propostos há anos, mais a coisa chegara em um ponto tal que muitos dos projetos malucos que foram propostos tiveram que ser postos em execução. Grandes equipamentos foram construídos com o objetivo de remover o CO2 do ar. Grandes tanques de algas eram insuflados com este gás para a produção de compostos de carbono. Um programa maciço de reflorestamento foi iniciado, numa escala nunca vista pela humanidade. Pequenos espelhos foram colocados em órbita, com objetivo de reduzir a incidência solar sobre a terra. Tudo isso tinha um custo elevado e este custo foi coberto por pesados impostos sobre combustíveis fósseis, a tal ponto que andar de automóvel tornou-se um luxo para poucos. Toda a cadeia produtiva foi afetada, mas todos tratavam o problema como esforço de guerra. Os alimentos começaram a ser racionados, pois a alta no preço dos combustíveis havia encarecido demasiadamente a produção. A energia também começa a ser racionada em muitos lugares, assim como a água.
É impressionante a capacidade humana para se adaptar a situações difíceis, superando-as. Basta para isso que haja determinação. Pois após alguns anos de dificuldades, a humanidade começa a perceber algumas coisas que sempre passaram despercebidas. A primeira coisa que se aprendeu é que a humanidade desperdiçava uma quantidade enorme de energia e recursos. Com o preço proibitivo dos combustíveis fósseis, os veículos elétricos e as bicicletas tomaram o lugar dos bebedores de gasolina. Aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos em geral passaram a ser projetados de modo a durar muito mais e economizar energia. A iluminação pública passou a ser automatizada, acendendo somente na presença de pessoas na rua. O lixo passa a ser 100 por cento reciclado, seja para reaproveitamento de materiais, seja para geração de energia.
E as pessoas colaboravam. Elas passaram a entender que o mundo e suas próprias vidas dependiam da participação de todos. As empresas começam a adotar maciçamente o trabalho remoto, reduzindo drasticamente o deslocamento das pessoas. O desperdício passa a ser intolerável. A fabricação de armamentos e produtos supérfluos ou de baixa qualidade praticamente foi suspensa.
Mais ou menos na época em que eu estava na faculdade, uma nova tecnologia surgiu. Na verdade, ela não era nova, mas apenas a abordagem adotada.
Devido à grande mudança econômica pela qual o mundo passou, consequência do novo paradigma energético, um grande volume de hidrocarbonetos passou a estar disponível, tanto os originados dos tanques de algas como os de origem fóssil. O preço do petróleo despencou, mas ninguém se atrevia a voltar aos velhos hábitos. Contudo, compreendeu-se que o petróleo é uma matéria prima especial, que merece um fim mais nobre do que ser queimado. Nesta época, as tecnologias de polímeros baseada em nanotubos de carbono já estava bem desenvolvida. Eles podiam ser produzidos como hidrocarbonetos de qualquer origem, inclusive do próprio lixo doméstico. Surgiu o material de construção perfeito: altamente resistente a tração, compressão e ataques químicos, de baixo custo, maleável e ainda podia integrar funções especiais, tais como controlar a temperatura e converter a luz em eletricidade. Começou-se a construir grandes edifícios com estes materiais, edifícios gigantescos, com mais de 1500 metros de altura. Cada edifício poderia receber com conforto em torno de 100.000 pessoas. Devido ao grande tamanho dessas construções, e temendo-se uma nova onda de impacto ambiental perverso, regulamentou-se em todo o mundo que a distância minima entre essas torres deveria ser de no mínimo 2 quilômetros. Este tipo de regulação tirou as megaconstruções das áreas urbanas (apenas uma foi construída em um grande centro), levando-as para as áreas rurais. As grandes Torres de Diamante, como começaram a ser chamadas (embora não fossem feitas absolutamente de diamante) começaram a ser erguidas respeitando à risca o espaçamento de 2 km. Uma extensão natural delas foi a construção de grandes pontes estaiadas ligando cada torre, minimizando a ocupação do solo rural, normalmente usado para agricultura e pecuária, ou mesmo extensões de mata nativa.
As Torres de Diamante foram construídas para serem tão autosuficientes quanto possível. Devido à grande altura, estavam sujeitas a fortes ventos, que eram aproveitados para geração de energia elétrica, assim como sua grande área era aproveitada para captação de energia fotovoltaica. Todo o lixo é reciclado, bem como toda a água, de modo que cada unidade não só é autossuficiente, como também capaz de vender seus excedentes de energia e materiais. Dessa forma, cada morador recebia uma parte dos lucros auferidos pela operação da Torre.
Devido ao baixo custo de produção, ao alto aproveitamento da área construida e a possibilidade de um substancial complemento na renda, um apartamento em uma das torres apresentava custos de aquisição muito abaixo do encontrado em outras formas de construção. Isso provocou o primeiro grande êxodo urbano da história. As cidades começaram a minguar, principalmente os grandes centros. As grandes Torres em conjunto com o sistema de pontes entre elas criaram um complexo e sofisticado sistema viário, que incluia pistas locais, autoestradas e trens de alta velocidade, que mais tarde foram substituidos pelos atuais tubos de vácuo, que permitem grandes deslocamentos em alta velocidade. (Atualmente uma viagem entre São Paulo e Nova York leva apenas 40 minutos).
O advento das Torres de Diamante provocou a ascensão de uma figura política de grande destaque na atualidade: o Síndico. A princípio, a administração das torres ficava à cargo das próprias construtoras ou de empresas terceirizadas especializadas em administração predial. Mas em pouco tempo os moradores perceberam que entregar a administração a terceiros era um risco muito grande. Assim, rapidamente os próprios proprietários assumiram a administração e passaram a eleger síndicos locais. Qualquer morador poderia se candidatar a Síndico (com S maiúsculo!), mas a eleição era sempre feita em comum acordo, sistema que permanece até hoje. O comum acordo foi a estratégia adotada para acabar com as intermináveis disputas de condôminos, que embora fossem um mero incômodo em prédios menores da época anterior, representavam pesados prejuízos em um negócio tão grande. Assim, o Síndico assume uma posição de destaque, exercendo poder real em favor de sua própria Torre, mas desvinculado da estrutura de poder oficial, que acabou esvaziando o poder dos governos nacionais
Assim, as Torres de Diamante tornaram-se a principal moradia, negócio e unidade política da humanidade.
Acho que não estou sendo inteiramente honesto com você leitor. Eu omiti uma parte importante dessa história. Como talvez vocês saibam, meu nome é Lúcio Freire. Alguns de vocês me conhecem como o Pai das Torres de Diamante. Certamente trata-se de um exagero. Eu fui apenas o homem que juntou as peças. Fui o mentor da idéia maluca, e tive sorte de achar alguém que deu crédito a ela. O que acontece é que eu não tinha idéia das consequências dessa idéia maluca e de quão profundamente a humanidade seria afetada por ela.
Hoje vivo em uma Torre no meio da Floresta Amazônica, a uns 150 km de Manaus. Da minha janela do quadricentésimo quinquagégimo sétimo andar, descortino a visão de inúmeras Torres semelhantes à que eu moro. Mas não estou isolado. Na verdade, posso estar em praticamente qualquer lugar do mundo em menos de duas horas. A grande maioria das pessoas no mundo vivem como eu. A pobreza e a ignorância foram erradicadas. As fronteiras nacionais ruiram (mas esta é uma outra história) e de maneira geral o mundo está muito melhor. Este ano há indícios de que a capa de gelo do Ártico não vai derreter inteiramente no verão. Mas não pensem que a espécie humana tornou-se perfeita. Ainda cometemos nossos erros, alguns bem graves. Mas sinto uma pontadinha de orgulho de comemorar os meus 100 anos numa época tão promissora.
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