Na época que eu nasci, era muito difícil alguém alcançar os 100 anos. Hoje é raro alguém não passar desta idade. Parece que o novo estilo de vida aliado aos avanços da medicina genética levaram a expectativa de vida a patamares nunca vistos. Pelo que ouvi dizer, faz uns 50 anos que ninguém morre de velho. Não é minha especialidade, mas parece que tem a ver com um conjunto de genes que parecem estar associados ao processo de envelhecimento. Nossos amigos médico conseguiram criar um tratamento genético que desativa este conjunto de genes. Uma coisa curiosa é que apenas as duas primeiras gerações de humanos precisaram receber o tratamento. A terceira em diante começou a nascer com os genes da velhice inativos. Talvez este seja o primeiro exemplo de evolução autoprovocada. A mesma técnica foi usada para curar doenças como o daltonismo e a hemofilia. Mas todo este avanço criou um grande problema. Embora as taxas de natalidade estejam relativamente baixas (ouço falar em 1,75 filhos por mulher), as taxas de mortalidade também estão muito baixas. A mortalidade infantil é praticamente zero e as guerras, crimes e acidentes de trânsito não são mais uma preocupação (os acidentes de trânsito praticamente acabaram quando os automóveis deixaram de precisar de motoristas). Assim, a população humana continua aumentando. Hoje somos em 15 bilhões. As Torres garantem espaço e condições ecológicas para até 10 vezes isso, exceto pelo fato de não haver carbono suficiente no planeta para tantas torres. Então, embora as coisas estejam bem hoje, não será assim para sempre. Algumas propostas como a migração para a Lua ou Marte estão sendo consideradas.
Mas esta é uma crise futura e eu gostaria de falar de uma crise passada, onde havia não falta, mas excesso de carbono no lugar errado.
Sou um dos sobreviventes da Crise do Carbono, a época em que quase nos destruimos por causa de nosso descaso e ganância. A humanidade aprendeu com seus erros, mas não tenho garantias de que esses mesmos erros ou outros piores não se repetirão no futuro. Resolvi então contar esta história para as futuras gerações. Há muito tempo não usamos mais papel, por razões óbvias. Hoje dependemos inteiramente dos meios digitais para nossos registros e nossa comunicação. Mas se um dia, por algum motivo nossa tecnologia falhar, perderemos o acesso a todos nossos registros, toda nossa história. Sem isso, a humanidade pode levar um tempo gigantesco para se reerguer, e isso pode ser a nossa ruina final. Pensando nisso estou fazendo com que este meu registro seja impresso em páginas feitas em um polímero especial, que segundo o prognóstico dos especialistas, pode sobreviver por vários milhões de anos. Farei com que cópias deste registro estejam presentes em cada Torre já construida e em cada uma das que forem edificadas a partir de agora. Estou fazendo com que sejam incluidos registros microfilmados feitos do mesmo material, com um registro tão completo quanto possível, de todas as informações relevantes de nossa cultura e sociedade, além de instruções para a construção de um leitor para estes microfilmes de fácil fabricação e manuseio, para o caso em que todos os leitores tenham sido destruidos. Tudo para garantir que que algum dia a civilização seja destruida, a humanidade consiga se reerguer fazendo as coisas do jeito certo. Espero que esta múltipla redundância garanta que isto chegue às mão daqueles que precisarem.
Ah! A crise do carbono. Deixe me explicar um pouco sobre o que antecedeu a esta crise. Pois na década de 1970, começaram a surgir os primeiros indícios de que o clima estaria sendo alterado pela ação humana. Durante muitos anos, esta mudança climática antropomórfica foi atribuída às emissões de carbono humanas, consequência da queima de combustíveis fosseis e do desmatamento por queimadas. Foi criado um grupo de pesquisadores, na época chamado de IPCC, que ficou responsável por coletar todos os dados provenientes das pesquisas climáticas que corroborassem com a tese do chamado "aquecimento global antropomórfico", e a partir desses dados produzir relatórios periódicos que servissem de orientação para governos e outras instituições em posição de tomada de decisão. A princípio, tudo parecia indicar que as emissões de gás carbônico humanas estavam realmente alterando o clima da Terra. O problema começou quando as temperaturas médias do planeta pararam de subir de acordo com o modelo teórico. Curiosamente, passaram-se alguns anos antes que o público começasse a tomar conhecimento dessa tendência. Coincidentemente ou não, neste período ocorreu um incidente que prejudicou a imagem do IPCC e forneceu munição para os críticos do aquecimento global, os chamados céticos. Descobriu-se que um dos pesquisadores selecionou os dados para que se encaixassem na teoria, descartando os demais. É pratica comum entre os pesquisadores descartar os dados que destoem demais da média prevista (consequência de erros de medida), mas nesse caso, os descarte foi nitidamente um "ajuste de curvas". Isto forneceu lenha para a fogueira dos críticos, que começaram a desconfiar de outros trabalhos. Foram detectadas falhas na coleta e seleção de dados, falhas de metodologia, interesses políticos e econômicos em ambas as facções. Mas a imprensa, sensacionalista e pouco técnica, não soube distinguir com careza o que estava realmente acontecendo. Uma parte da imprensa continuou sistematicamente a divulgar a tese do aquecimento global sem nenhuma mudança, como se nada tivesse acontecido. Outra parte (a mais sensacionalista) deu foco aos críticos, passando a idéia de que não havia de fato um aquecimento global .
Em meio a esta guerra de fatos, mentiras e acusações, uns poucos grupos sérios de climatologistas começaram a filtrar o sinal em meio ao ruído. Parecia claro que havia algum tipo de perturbação climática, algo que não podia ser explicado simplesmente pelas variações naturais. O problema era definir qual era a tendência, se de aquecimento, resfriamento ou fortes oscilações entre estes dois extremos. Era fácil perceber a partir dos dados (aqueles coletados corretamente) que havia uma forte correlação entre a atividade humana e os extremos climáticos, mas não somente na direção do aquecimento. Também era fácil perceber que estas perturbações apareciam mais intensamente em áreas mais densamente povoadas e industrializadas. Era muito difícil filtrar esta perturbação em meio aos vários fenômenos naturais, tais como o El Niño e o Ciclo Solar, mas a medida que mais dados foram coletados, a correlação começou a ficar clara, não na direção de um aquecimento, mas definitivamente de uma perturbação no ciclo natural. Esta perturbação não poderia mais ser atribuídas exclusivamente às emissões de carbono humanas, mas ao conjunto de todas as atividades que de alguma maneira provocavam seu impacto. Logo provou-se que o desmatamento era mais grave do que a queima de combustíveis fósseis, mesmo quando este desmatamento visava o plantio de cana-de-açucar ou outro tipo de biomassa destinado a substituir o petróleo. Outras coisas como a ocupação urbana, uso da água e mananciais, poluição da água, ar e solo, lixo eletrônico, desperdício de energia, matérias primas e alimentos, pesca predatória e extinção de espécies, tudo isso e muito mais, estavam alterando de maneira significativa o ecosistema terrestre. Logo ficou claro que simplesmente cortar as emissões de carbono estava longe de ser suficiente para a solução do problema. Era necessário mudar o sistema, fazer as coisas de um jeito diferente. Isso implicou em profundas mudanças nos hábitos de alimentação, moradia e transporte, alem de profundas alterações econômicas e políticas.
Infelizmente, quando finalmente a comunidade científica chegou a esta conclusão, muitos trilhões de dólares já haviam sido irrecuperavelmente gastos na chamada "mitigação ativa de carbono", ou seja na construção de máquinas gigantescas e caras criadas para remover ativamente o gás carbônico da atmosfera. Isto teve o seu lado bom, porque propiciou o excedente de material necessário para baratear a construção das Torres. Mas escapamos por um triz de mergulhar em uma Era Glacial Antecipada. Tudo isso porque a humanidade resolveu agir antes de entender o que estava realmente acontecendo.
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