Armazenamento de Energia Elétrica para VEs

Dizem que a diferença entre o sábio e o especialista é que o sábio sabe quase nada sobre quase tudo, enquanto o especialista sabe quase tudo sobre quase nada. Tenho procurado viver entre esses dois extremos, o que não é tarefa fácil. O mercado preza os especialistas, talvez porque o conhecimento humano tenha se tornado tão vasto e diversificado que é impossível uma única pessoa dominá-lo por completo. No entanto, quando especialistas de áreas diferentes precisam trabalhar em equipe, surgem grandes dificuldades de comunicação. Nessas horas, um sábio pode ser necessário como intérprete.

Tratarei o tema a seguir sem a pretensão de falar como especialista, pois o mesmo envolve conhecimentos que domino apenas superficialmente. Embora tenha alguma formação em física, meu conhecimento de química é marginal. Para tratar deste tema, tenho que recorrer continuamente a outras fontes (nessas horas, quem me salva é o Google!).

Já discorri anteriormente sobre energia. Mencionei que força e energia são conceitos distintos, ainda que relacionados. Um exemplo que uso é o do imã. Um imã é uma fonte de força magnética, às vezes uma fonte muito poderosa. Esta força não se esgota, a menos que o imã seja desmagnetizado por um campo magnético mais potente. Um imã pode ser uma fonte de energia magnética. Eu disse "pode ser" pois isso não depende somente de suas propriedades intrínsecas. Depende também da posição. Se um imã for colocado próximo de um objeto ferroso ou de outro imã, uma energia potencial é estabelecida. Esta energia depende da intensidade do campo magnético e da distância. Se a força for atrativa, considera-se que a energia potencial é máxima quando a distância tende ao infinito e é igual a zero quando a distancia também for zero. Se for repulsiva é o inverso. Como um ima sempre tem dois polos, a tendência é que eles se movam para uma posição em que a força seja atrativa (polos opostos se atraem. Esta força atrativa fará com que os imãs entrem em contato, situação em que a energia potencial será zero. Não há mais energia potencial. A energia cinética, adquirida pelo trabalho da força magnética, dissipou-se em calor quando os dois imãs se encontraram.

A conclusão que tiramos é que uma força só produz ou armazena energia quando encontra-se em uma posição em que pode realizar trabalho, ou seja, provocar uma alteração de movimento. Por alteração, entenda-se aceleração. Se o movimento se estabilizar, acabou o trabalho. Mesmo que a força ainda esteja presente. Ainda pode existir a energia cinética, mas esta foi convertida a partir da energia potencial e pode ser convertida em outra, como energia térmica, ou seja, calor. Este princípio vale para qualquer forma de armazenamento de energia. Vale para a energia química dos combustíveis ou das baterias elétricas. Vale para as usinas hidrelétricas ou a carvão. Vale para as usinas nucleares. Por causa deste princípio, é impossível uma fonte infinita de energia. Todas se esgotam. até mesmo o Sol. Chamamos a isso de Princípio da Conservação da Energia, também conhecido com Primeira lei da Termodinâmica. É possível converter energia em trabalho. É possível converter trabalho em energia. É possível converter um tipo de energia em outro. Mas as quantidades inicial e final de energia e trabalho precisam ser as mesmas. Se você dispuser inicialmente de 1 joule de energia potencial e aplica-la em um processo qualquer, no final a soma entre trabalho e energia dissipada tem que ser igual a 1 Joule. Ser for diferente, é porque você errou as contas.

Todo processo que envolve trabalho e energia apresenta perdas. Infelizmente é impossível obter 100% de eficiência. Mas em alguns casos, podemos chegar muito perto disso. Os transformadores elétricos, desses que encontramos nos postes de rua, ou mesmo em menor tamanho nos aparelhos eletrônicos, podem chegar a 99% de eficiência. Máquinas térmicas, como motores de automóveis, tem limitações teóricas que impedem que se obtenha eficiências tão altas. Estas limitações teóricas são conhecidas como Limite de Carnot. Este princípio físico diz que a eficiência de uma máquina térmica depende, entre outras coisas, da diferença de temperatura entre a fonte quente (que pode ser o combustível queimando) e a fonte fria (que é o gás do escapamento). Quanto maior esta diferença de temperatura, mais eficiente é o motor. Para conseguir motores com a eficiência de 90%, seria necessário que ele trabalhasse com a fonte quente a temperaturas muito altas, de milhares de graus Celsius, ou com o gás  do escapamento a temperaturas próximas do zero absoluto. Por este motivo, turbinas a gás, que trabalham com altas temperaturas, possuem eficiência da ordem de 40 a 45%, enquanto motores convencionais trabalham em torno de 15% e motores diesel com 25%.

O armazenamento de energia também está sujeito às mesmas leis de conservação. Diferentes sistemas apresentam eficiências distintas. Além disso, quando se trata de veículos, fatores como peso e volume precisam ser considerados. Discorrerei aqui sobre as formas em que a energia pode ser armazenada de maneira prática em veículos.

Energia Química

A energia pode ser armazenada por meios químicos. Pode-se obter energia a partir da reação química entre substâncias diferentes. Esta energia pode ser produzida como calor ou como uma corrente elétrica. Apresento abaixo as formas usuais:

1. Combustão: um combustível qualquer (gasolina, óleo diesel, álcool, etc) pode ser queimado na presença de oxigênio para gerar calor. Este calor pode ser usado em uma máquina térmica, como um motor a pistão ou a turbina. Este, por sua vez, pode ser diretamente conectado ao eixo do motor ou pode também ser ligado a um gerador que alimentará um motor elétrico. Embora esta última solução seja mais complexa do ponto de vista mecânico, apresenta mais eficiência do que o motor a combustão usado isoladamente. Isso porque, desta forma pode-se usar o motor em rotação constante, operando em sua rotação de melhor eficiência. Pode-se também, por causa disso, utilizar um motor bem menor e mais econômico. Este é o princípio dos veículos hibridos série, que conseguem fazer entre 30 a 40 km/l, extendendo a autonomia.

2. Células de combustível: alguns tipos de combustível, como o hidrogênio, podem sofrer uma reação de combustão controlada em uma célula de combusível. Nestas células, a energia resultante da combustão (ou pelo menos grande parte dela) é captada diretamente como eletricidade. A eficiência das céludas de combustível varia entre 80% e 90%. Já existem células capazes de trabalhar com outros combustíveis, como metanol, mas as de maior eficiência trabalham com hidrogênio gasoso. Embora altamente eficientes, as células de combustível são limitadas pela dificuldade em se armazenar hidrogênio gasoso. O hidrogênio é altamente reativo e não pode ser armazenado a pressões muito altas. O hidrogênio se liquefaz a -253ºC. Portanto, liquefazer o hidrogênio não é prático, pois necessita de sistemas criogênicos complexos, que só podem ser mantidos em laboratório. Sistemas de armzenamento de hidrogênio são viáveis para veículos grandes, como ônibus, mas em veículos menores ainda são um desafio.


3. Baterias: Apesar de todas as limitações de densidade de carga em relação ao peso que as baterias atuais apresentam, elas oferecem a vantagem de armazenar a energia elétrica diretamente, na forma de ions carregados. Sua eficiência energética é da ordem de 90%. Por causa disso, a grande maioria dos projetos de veículos elétricos armazenam a energia em baterias. É uma tecnologia que vem se desenvolvendo rapidamente e a cada ano vemos baterias menores e mais leves.


Ultracapacitores.


Uma forma de se armazenar energia elétria muito eficiente são os capacitores. Um capacitor é composto por duas superfícies condutoras com área muito grande (chamadas de placas) separadas por um material isolante muito fino, de modo que a distância entre as duas superfícies seja a menor possível. A capacidade de armazenar energia de um capacitor é chamada de "capacitância", que depende da área das placas do capacitor, da distância entre elas e do material que compõe o isolante. A energia que pode ser armazenada em um capacitor é dada pela expressão:


E=CV²/2


Onde "E" é a energia armazenada, "C" é a capacitância e "V" a tensão entre as placas. Quanto maior esta tensão, mais energia está armazenada. A capacitância é dada em Farad (F), em homenagem a Michael Faraday, que descobriu o princípio da indução e realizou os primeiros trabalhos com capacitores.



Os capacitores possuem uma limitação quanto a tensão que pode ser aplicada sobre o mesmo. Esta limitação depende essencialmente do material isolante e da distãncia entre as placas. Portanto, quanto maior a capacitância, menor a tensão que pode ser aplicada ao capacitor.


Uma coisa que eu aprendi no meu curso técnico, nos idos de 1980, é que um capacitor de 1 Farad seria uma esfera do tamanho da Terra! Isso indica que o Farad é uma unidade que representa um valor realmente grande. No entanto, mais ou menos nessa época, começaram a surgir os primeiros ultracapacitores, capazes de armzenar 1 Farad ou mais em poucos centímetros cúbicos. Hoje existem ultracapacitores de até 4000 F. Contudo, eles possuem uma grande limitação quanto a tensào de trabalho. Um ultracapacitor típico opera entre 2,5V a 5V. Para obter valores maiores, é necessário associar capacitores em série. Só que ao fazê-lo, a capacitância diminui. Se 10 capacitores de 1 F forem associados em série, a tensão de trabalho será multiplicada por 10, mas a capacitância será dividida por 10. Mesmo assim, a energia armazenada depende da capacitância e da tensão. Bancos de ultracapacitores, assossiados a sistemas eletrônicos de carga e descarga, possuem atualmente a capacidade de armazenamento equivalente a das baterias de Ion de Lítio. No entanto, ainda são muito caros.


Armazenamento Mecânico (Baterias Eletromecânicas).


Já discutimos que a energia pode ser armazenada em sua forma  cinética. Qualquer corpo em movimento possui uma energia cinética que é dada por Ec=mv²/2, onde "Ec" é a energia cinética, "m" a massa  do corpo e "v" a velocidade. O mesmo princípio vale para movimentos rotativos. Neste caso, usamos uma expressão análoga: Ec=Iw²/2, onde "I" é o "momento de inércia, uma grandeza análoga a massa e que depende desta massa e da maneira como ela é distribuida ao redor do eixo de rotação do corpo; "w" representa a "velocidade angular", ou rotação, dada em radianos por segundo.
Baseado nisso, tem-se criado maneiras de armazenar energia em rodas pesadas, pois quanto mais pesadas e quanto maior a rotação, mais energia pode ser armazenada. Uma das mais notáveis é o "flyweel", onde um disco pesado suspenso em um campo magnético é posto a girar dentro de uma câmara de vácuo. A energia é transferida para o disco através de um motor elétrico que serve também como gerador. Este sistema é um dos que são usados no sistema Kers, adotado na Formula 1. Este sistema é muito promissor, pois possui tempo de armazenamento curto e pode armazenar grandes quantidades de energia, mas ainda encontra-se em fase de desenvolvimento.


Qual o melhor?


Isso depende muito do que se define como "melhor". Cada sistema de armazenamento possui vantagens e desvantagens. Em um primeiro momento, parece conveniente a associação de dois ou mais sistemas de armazenamento. Baterias associadas a ultracapacitores tem sido utilizadas com sucesso, principalmente em veículos híbridos. Vejo com bons olhos a diversidade. Me parece perigoso depender unicamente de baterias de lítio ou de biocombustíveis. Assim como a biodiversidade tem garantido a existência da vida sobre a Terra, mesmo em condições hostis, a diversidade tecnológica pode ser uma saida para um mundo que se encontra vergado sobre o peso de uma humanidade consumista. A diversificação pode dar à Terra uma chance de se recuperar do estrago que nós temos feito a ela.


Enquanto escrevo este artigo, as nações se preparam para a conferencia de Copenhagen sobre mudanças climáticas. Aproveito para fazer um apelo. Vamos lutar para nos livrar dos combustíveis fósseis. Eles estão nos destruindo, quando poderiam ser uma dádiva. Até porque, como ja disse anteriormente, petróleo é uma matéria prima nobre demais para ser  queimada.


Para saber mais:


Flyweel
Célula a combustível


Comentários

  1. Nada sobre e-bikes nesse blog? Grave erro! A popularização dos VEs no mundo provavelmente vai comerçar pelas bicicletas!
    Cordiais saudações.
    Edmar

    ResponderExcluir
  2. Tenho tratado os veículos elétricos de maneira genérica. Veículo elétrico pode ser um automóvel, uma bicicleta, uma locomotiva ou um avião. Não posso negar a importância das e-bikes e eu mesmo estou considerando a possibilidade de adquirir ou construir uma. No entanto, temos que ter em mente que as e-bikes, por mais importantes que sejam neste contexto, não atendem a todas as necessidades. Considero a e-bike um problema resolvido do ponto de vista técnico e passa a ser apenas um problema de mercado. Não é o que acontece com os automóveis.

    ResponderExcluir
  3. Acredito que a energia pode ser armazenada e recuperada de forma eficiente em qualquer situação, basta existir materiais e mecanismos suficientemente avançados.

    Veículos elétricos são o futuro certo, e quase sempre estão no meio das discussões sobre energia porque são necessários. O problema é que evoluímos as tecnologias mais convenientes no âmbito "comodidade" ou experiência.

    Deixando de lado veículos, acredito que o futuro da energia será a energia eletrostática, acredito que essa forma de energia elétrica seja mais conveniente porque é possível captá-la afinal existe em qualquer parte do universo.

    Posts que estimulam o raciocínio para soluções energética são progresso.

    ResponderExcluir
  4. Prezado, sou estudante de administração, por tanto, não entendo muito de física, embora tenha lido as explicões acima e achado muito bem desenvolvidas. Porém, não encontrei a resposta para uma parte importante de um projeto que pretendo desenvolver para a apresentação de um trabalho acadêmico.
    Gostaria de saber como armazenar a energia gerada pelo seguinte sistema: Através de um dínamo (gerador), a energia cinética faz com que o eixo do rotor (parte móvel do gerador) gire, no interior do gerador ímãs fixos ao rotor geram um campo magnético nas bobinas do estator (parte fixa do gerador), como esses ímãs estão girando, este campo magnético varia com o tempo, e campos magnéticos variando através de uma espira (bobina) induzem corrente elétrica na mesma.
    O objetivo seria a criação de uma fonte de energia simples e limpa reduzindo custos e danos ao meio ambiente.

    Desculpe a ignorância caso haja algum erro e OBRIGADO PELA ATENÇÃO

    se possivel enviar resposta para o e-mail: luisfelipe_castro09@hotmail.com

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Elétrico ou Etanol? O Melhor de Dois Mundos.

A Cura de Gaia