Carros elétricos realmente reduzem as emissões de carbono?

Meus primeiros ensaios tratavam o veículo elétrico do ponto de vista funcional. Fiz isso principalmente com o objetivo de esclarecer alguns enganos, principalmente do ponto de vista físico e energético. Essa introdução técnica é necssária para que possamos tratar do tema com isenção e livre de preconceitos. Passo agora a tratar o tema do ponto de vista socioambiental e político. Fiz uma breve introdução por este caminho em meu artigo sobre matriz energética.

Em minhas pesquisas sobre o tema dos VEs, percebí que um dos principais argumentos dos críticos a tração elétrica envolve a geração de energia elétrica usando combustíveis fósseis. Afinal, dizem eles, se vamos ter que queimar combustiveis fósseis para gerar eletricidade, por que não queimá-lo diretamente no motor? As emissões de carbono não seriam as mesmas? Não seriam piores, uma vez que existem perdas na geração, transmissão e distribuição da energia?

A primeira vista, pode-se pensar que eles estão certos. Afinal, nos locais onde a energia elétrica é produzida em termoelétricas, o combustível fossil realmente terá que ser queimado, gerando emissões. Contudo, esta análise é, como veremos, superficial e não leva em conta considerações sobre eficiência de motores térmicos variando em função do regime de operação. Para ilustrar os princípios, façamos algumas considerações sobre o consumo de combustível em automóveis.

Todos sabem que o consumo de combustível no automóvel é maior em percursos urbanos do que nos rodoviários. Todos aceitam este fato e atribuem esta diferença às constantes paradas e acelerações a que o veículo é submetido em um percurso urbano. Certamente essas paradas e acelerações são uma parte da equação do consumo urbano. Mas o que muita gente não se da conta é que mesmo quando o trânsito está livre e o motorista pega todos os sinais verdes o consumo urbano é muito maior do que o rodoviário. Por que isso acontece?

Já mencionei anteriormente que a eficiência energética de um motor a gasolina chega a 15 ou no máximo 20%, se o carro for muito bom e as condições forem ideais. Mas quais são as condições ideais? O que as torna ideais? A eficiência máxima de um motor a gasolina ocorre quando a sua rotação está em algum ponto entre a rotação de torque máximo e a rotação de potência máxima. O ponto exato depende muito do projeto do motor. alguns motores são projetados para operar em altas rotações, como os carros de Fórmula 1. Isso porque a sua eficiência máxima precisa ocorrer a altas velocidades, quando o motor solicita a potência máxima, ou próximo disso. Outros motores, como é o caso dos caminhões e tratores, precisam que o torque máximo ocorra em baixas rotações. Os veículos de passeio são projetados para algo intermediário. E esse intermediário coincide com uma velocidade entre 100 km/h e 120 km/h. Chamamos a isso de velocidade de cruzeiro. Nesta velocidade, o motor irá operar em sua eficiência máxima. O peso máximo do veículo, as relações de marcha e a aerodinâmica do carro são planejadas para uma sintonia com o motor nesta velocidade de cruzeiro. Em resumo: automóveis de passeio foram projetados para uso rodoviário. Se isso não fosse feito, ou o desempenho rodoviário seria medíocre ou o consumo seria proibitivo. No Brasil, os veículos de 1000 cilindradas são os que mais se aproximam de um compromisso intermediário. Eu já consegui uma média de 20 km/l em um Ford Fiesta 1.0, na estrada a 120 km/h. Isso foi obtido em um dia em que a estrada estava completamente vazia, sem caminhões ou outros veículos lentos, pelo que eu pude manter uma velocidade constante. Contudo, em percursos urbanos, dificilmente eu chegava aos 12 km/l.

Em resumo, aquela eficiência de 15 ou 20% só ocorre em condições especiais e controladas, o que é muito difícil de se obter em um automóvel. No entanto, não é o que ocorre nas usinas termoelétricas. Nelas, o motor ou turbina utilizados operam sempre a uma rotação precisamente controlada. Isso ocorre porque a energia elétrica precisa ser fornecida em uma frequência exata de 50 ou 60 Hertz, dependendo da região. Esta frequência depende exclusivamente da rotação do gerador. Portanto, a usina geradora possui controles automáticos para manter a rotação absolutamente estável, mesmo quando a carga elétrica varia. Por razões de economia, as usinas são planejadas para obter o rendimento máximo em sua rotação de trabalho. No caso das turbinas a gás, esta eficiência pode chegar próximo a 50%, muito mais do que pode ser obtido queimando o combustível diretamente no motor do carro.

Portanto, mesmo que todas as usinas elétricas do mundo fossem movidas a combustíveis fósseis, o uso de veículos elétricos representariam uma redução nas emissões de carbono de aproximadamente 50%, o que é muito mais do que a mais ambiciosa meta de redução de carbono já proposta.

Outro aspecto que deve ser considerado é a energia ociosa. Por razões operacionais, as usinas elétricas (principalmente as maiores) não podem ser desligadas à noite, quando a demanda é menor. Portanto, existe sempre uma quantidade de energia muito grande que está disponível na rede, mas que não é utilizada. Este problema é maior nas usinas hidrelétricas, pois não se pode simplesmente fechar as comportas, bloqueando o fluxo do rio. Por este motivo, eu vejo com bons olhos os veículos elétricos exatamente como são hoje, com carga lenta feita durante a noite, quando a energia elétrica é abundante e mais barata. Acredito que uma parte substancial da frota brasileira (ou da americana) possa ser mantida simplesmente utilizando a energia elétrica noturna, que de outra forma seria desperdiçada. Tenho encontrado dificuldades em encontrar números exatos a respeito, mas sem dúvida é por onde devemos começar.

Minha conclusão é que os veículos elétricos possuem um potencial gigantesco para a redução de emissões de carbono.

Comentários

  1. Excelente texto.

    È tão obvio, porque se tem tanta resistência em mudar pra algo melhor.

    ResponderExcluir
  2. Equetus,

    Aguarde o meu novo artigo sobre a mudança de paradigma, onde tratarei exatamente sobre esta mudança. Obrigado por seu comentário.

    ResponderExcluir
  3. Texto maravilhoso. Parabens! Muito bem argumentado.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Elétrico ou Etanol? O Melhor de Dois Mundos.

A Cura de Gaia