Autonomia dos Veículos Elétricos - Segunda Parte

No post anterior mencionei que a maior capacidade de armazenamento de energia da gasolina em comparação com baterias elétricas permitiriam ao veículos movidos com este combustível uma autonomia 25 vezes maior que a dos veículos elétricos. No entanto, ao compararmos esta informação com o mundo real, observamos que isso de fato não ocorre. A autonomia dos veículos a gasolina é apenas 3 a 5 vezes superior a dos elétricos. Por que isso ocorre?
Um erro muito comum ao se comparar veíuculos elétricos com veículos a combustão é fazer esta comparação baseado no paradígma dos veículos a combustão. Isso implica em aplicar aos elétricos certas "verdades"  que só são aplicáveis a combustão. Por exemplo, quando comparamos a capacidade de armazenamento de energia, nos esquecemos que um veículo a gasolina não transporta um peso em combustível comparável ao peso de baterias. Na verdade, este peso é muito menor, o que implica em uma autonomia também muito menor. Se fossemos transportar no tanque de combustível 400 ou 500 kg de gasolina, seria necessária a adoção de motores muito mais potentes do que o usual, em virtude dos problemas de curva de torque que eu apresentei anteriormente (veja o meu tópico  Por Que Elétrico? ). Ou então sacrificar drasticamente a capacidade de carga, o que não é muito interessante.  Para exemplificar, imaginemos um caminhâo tanque, desses usados para transporte de combustível.




Um caminhão desse tipo pode transportar 30.000 litros de combustível. A densidade do óleo díesel é de aproximadamente 0,85 kg/l, o que dá um peso de 25.500 kg. o consumo médio de um caminhão transportando uma carga como esta é de 1 km/l. Assim, se este tanque for conectado diretamente ao motor, permitirá uma autonomia de impressionantes 30.000 km, talvez até um pouco mais, pois a medida que o combustível é consumido, o peso diminuii, consequentemente diminuindo o consumo. Mas esta autonomia impressionante não é muito prática do ponto de vista econômico. Primeiro porque seria um veículo muito caro e pesado para transportar apenas 3 pessoas. É muito mais viável usar um pequeno carro de passeio e abastecer ao longo da viagem (na maioria dos casos práticos, postos de gasolina podem ser encontrados por todo o percurso). Um carro de passeio pequeno pode fazer até 15 km/l na estrada. Os mesmos 30.000 litros nesta situação permitiriam uma autonomia de 450.000 km, mais do que a distância entre a Terra e a Lua. Apresento estes dois casos extremos apenas para mostrar que existe um limite prático para o peso de combustível que pode ser transportado em um veículo. Por isso, normalmente o peso de combustível transportado em carros de passeio varia entre 50 e 100 kg. Nesta conta, não estou mencionando o peso do tanque de combustível e de todo o sistema de alimentação (tubulações, mangueiras, bombas, filtros, boias, etc.).



Fica claro por este exemplo que devemos tomar muito cuidado ao comparar veículos a combustão com veículos elétricos, pois estamos comparando duas coisas que são diferentes em sua essência. É como comparar cebolas com batatas. Ambos são alimentos nutritivos de origem vegetal, mas as semelhanças acabam por ai. Pensando nisso, elaborei o que chamo de Verdades Relativas aos Veículos Elétricos, as quais apresento a seguir.

Primeira Verdade: Veículos elétricos não armazenam energia da mesma forma que veículos a combustão.

Esta verdade é decorrente do exposto acima. Esta afirmação pode parecer trivial e óbvia, mas possui implicações profundas quanto ao projeto de veículos. Por exemplo: o peso maior das baterias poderia ser amplamente compensado pelo peso menor dos sistemas motor e de transmissão, ou por um projeto de carroceria usando materiais mais adequados. Se ônibus e caminhões utilizassem em sua construção os mesmos materias que são usados em carros de passeio, seu peso se tornaria proibitivo. É por isso que nesses veículos, materiais como alumínio e fibra de vidro são amplamente utilizados.

Segunda Verdade: Veículos elétricos não usam a energia da mesma forma que veículos a combustão.

Esta afirmação não é tão óbvia como a primeira, o que tem ocasionado muitos erros conceituais, inclusive entre projetistas de veículos elétricos. Para entender esta diferença tão importante, é necessário observar o comportamento de veículos em funcionamento. Algumas coisas são comuns a qualquer veículo. Por exemplo: todos os veículos possuem massa. Portanto, todos os veículos possuem as propriedades da massa, como por exemplo a inécia, a propriedade dos corpos com massa de manter uma velocidade constante quando nenhuma força é aplicada ao mesmo. Se um veículo é levedo a uma pista reta e plana e é acelerado até, por exemplo, 100 km/h, sua tendência é de manter estes 100 km/h. Forças de atrito com o solo e com o ar tendem a desacelerar este veículo. Se o desenho aerodinâmico deste veículo for bom e os pneus estiverem em bom estado e corretamente alinhados e calibrados, este veículo pode manter esta velocidade por uma distância razoável. Pode atingir uma distância de 1 ou 2 quilômetros sem perder muito desta velocidade (eu sei porque eu fiz o teste). Esta é uma propriedade que poderia ser usada para melhorar a autonomia de veículos. No entanto, no caso dos veículos a combustão, uma característica dos motores interfere nesta utilização. Esta característica está associada a partida dos motores. A ignição de motores a combustão é algo complexa. Esses motores não ligam-se espontaneamente quando se fornece combustível. Para acioná-los, é necessário um impulso inicial. Nos primeiros motores a gasolina, este impulso era dado através de uma manivela girada manualmente. Esta manivela era pesada e desistimulava o uso de automóveis pelas mulheres (que na época mostravam uma clara preferência pelos elétricos). Posteriormente, um pequeno motor elétrico passou a ser usado no lugar da manivela.




Para isso, uma pequena bateria de chumbo foi adicionada ao sistema, bem como um gerador para manter a bateria carregada. Neste sistema de partida elétrica, um pequeno botão é acionado ou uma chave é virada, fechando o contato elétrico e acionando o pequeno motor de partida. Este impulso inicial comprime a mistura de ar e combustível no interior dos cilindros do motor, o que provoca a ignição e põe o motor em funcionamento. Uma vez acionado, o motor de partida não é mais necessário e pode (ou deve) ser desativado. E uma vez acionado, o motor a combustão deve ser mantido em funcionamento durante todo o período em que for utilizado, mesmo durante pequenas paradas ou em situações no plano (ou mesmo descidas), uma vez que a partida do motor é complexa e sujeita a falhas, o que pode colocar em perigo o motorista e passageiros se for tentada com o veículo em movimento. Além disso, atrualmente muitos sistema do veículo, como freios e direção, dependem do motor para seu correto funcionamento. Existem alguns projetos modernos, como o Stop & Start do Citroën C3, que tentam compensar esta deficiência usando um motor de partida mais potente, que também pode ser usado como gerador para a carga da bateria, associado a um controle eletrônico que detecta automaticamente as situações em que o motor pode ser desligado e em quais ele precisa ser prontamente acionado, sem que o motorista precise se preocupar com isso. O motor de partida mais potente permite que o motor principal seja acionado mais rapidamente.




Em um veículo elétrico, o motor não precisa permanecer constantemente ligado. Além disso, a automação necessária para a sua partida e controle é muito mais simples do que a requerida para um motor a combustão. Existe a possibilidade de tornar o controle do motor inteiramente automático, permitindo ao motorista dirigir sem se preocupar com o motor. Em uma situação de deslocamento no plano, o sistema pode ser programado para fornecer ao motor apenas a potência extritamente necessária para vencer as forçãs de atrito. Se for uma descida, o motor pode atuar como um gerador, transportando para a bateria qualquer energia ganha que de outra forma aceleraria o veículo. Mesmo em uma frenagem, o mesmo processo pode ser usado, recuperando a energia cinética do veículo (que como vimos no post anterior, não é pouca coisa). Estas características apresentadas, mostram que não é suficiente comparar a  eficiência específica dos motores ou a capacidade energética dos combustíveis. É indispensável levar em consideração a maneira como a energia é utilizada. O grande poder calórico da gasolina por muitos anos incentivou o desperdício na indústria automotiva. Quando o preço do petróleo começou a subir, este modelo perverso já estava estabelecido e não se podia mais voltar atrás.

Terceira Verdade: Veículos elétricos não se comportam como veículos a combustão.

Uma consequência das duas Verdades anteriores. As diferenças  conceituais quanto a forma de armazenar e utilizar a energia, juntamente com as diferenças de eficiência e comportamento dos motores exigem que se pense de maneira diferenciada quando se projeta veículos elétricos. Um exemplo de desempenho diferenciado e autonomia bastante aceitável pode ser encontrado nos projetos da Tesla Motors. Os projetos da Tesla, como o famoso Roadster, evidenciam que seus projetistas compreenderam e adotaram o novo paradigma. Infelizmente, os preços de seus produtos ainda estão muito elevados, uma consequência do mercado ainda não haver  adotado este novo paradigma.




Para saber mais:


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