Motores para Veículos Elétricos
Após discorrer um pouco sobre os fatores que podem potencialmente limitar a autonomia de veículos elétricos, bem como aqueles que podem ser aproveitados para ampliá-la, gostaria de falar algo sobre motores elétricos e sua aplicação automotiva. Como já mencionei anteriormente, motores elétricos possuem eficiência elevada. Mesmo aqueles motores baratos e de projeto simples e despretensioso, como aquelas montagens comuns em laboratórios escolares, atingem eficiências superiores a 80 por cento. Mas nem todos os motores elétricos são adequados para a aplicação que temos em mente, devido a certas considerações construtivas e de controle.
Os motores elétricos podem ser divididos em dois grandes grupos: os motores de Corrente Contínua (CC), também conhecidos como Corrente Direta (em inglês, "Direct Current" ou DC) e os motores de Corrente Alternada (CA, ou do inglês "Alternate Current", AC). Entre esses dois grupos, existem os chamados Motores Universais, que podem operar tanto em CC como em CA.
O primeiro motor elétrico foi construído pelo físico inglês Michael Faraday. Esse motor nasceu de sua pesquisa com geradores, os quais também lhe podem ser atribuídos. Faraday estudava o comportamento da agulha de uma bussola ao aproximar-se de um campo magnético produzido pela passagem de uma corrente elétrica por um fio metálico. Faraday sabia que a agulha sofreria um desvio tão acentuado quanto fosse a corrente que passasse pelo fio. Este fenômeno já havia sido observado pelo físico dinamarquês Hans Christian Oersted, embora este não tivesse ousado explicar o fenômeno. Baseado neste princípio, Faraday construiu um detector de corrente elétrica bastante sensível. Este tipo de detector é hoje conhecido como Galvanômetro, em homenagem a Luigi Galvani, anatomista italiano que realizou os primeiros experimentos relacionados à eletricidade e tecido animal.
De posse de seu galvanômetro, Faraday estava capacitado a realizar os seus experimentos. Além disso, o próprio funcionamento do instrumento levou o físico a intuir que havia uma relação entre eletricidade e magnetismo, que um poderia “induzir” ao outro. Faraday começo com um experimento simples. Como ele sabia que uma corrente elétrica poderia afetar um campo magnético (como a agulha magnética da bússola), supôs que o contrário também poderia ocorrer, ou seja, o campo magnético induzir uma corrente. Então Faraday montou um arco feito com um fio metálico, conectando cada extremidade ao seu galvanômetro. Introduziu no interior desse arco um imã. Ao fazê-lo, a agulha do galvanômetro saltou e agitou-se, retornando em seguida a sua posição de repouso. Ao remover o imã, outro salto foi observado na agulha, na direção oposta à anterior. Faraday esperava a deflexão da agulha, mas não esperava que ela retornasse à posição inicial. Muito menos que nova deflexão ocorresse ao se retirar o imã. Ele intuiu então que não era simplesmente a proximidade do campo magnético que induzia a corrente no condutor, mas sim o seu movimento. Para confirmar esta tese, movimentou continuamente o imã no interior do arco metálico e uma sequência de pulsos foi reproduzida pela agulha.
Faraday então ampliou o seu experimento. Supôs que se um imã em movimento pode induzir uma corrente elétrica e esta última pode induzir um campo magnético (o que ele já sabia graças ao galvanômetro), uma corrente elétrica poderia induzir oura corrente elétrica. Adicionou à sua montagem mais um arco metálico paralelo ao primeiro, conectado a uma poderosa (para a época) pilha elétrica, com um pequeno interruptor para interromper o circuito. Quando o interruptor foi acionado, observou-se mais uma vez a agulha saltar e retornar à posição neutra. Ao desligar o circuito, novo pulso de corrente foi observado e novamente a agulha retornando ao neutro. Este experimento intrigante levou a Faraday a concluir que uma corrente estática (contínua) não poderia induzir outra corrente em um condutor próximo. Mas nos momentos de transição, quando a energia era ligada ou desligada, a corrente sofria uma variação até atingir um estado estacionário de equilíbrio. Durante a transição, concluiu, o campo magnético produzido no arco metálico sofria uma variação, comportando-se como o imã movimentado manualmente. Portanto, é o movimento do campo magnético que induz uma corrente elétrica. E é o “movimento” da corrente elétrica (ou a sua variação) produz um campo magnético “móvel”, ou seja, que varia no tempo.
Não demorou muito para que Faraday pensasse: se o movimento do campo magnético pode gerar uma corrente, seria uma corrente capaz de gerar movimento? Afinal, era exatamente o que já acontecia com a agulha do galvanômetro. Contudo, este movimento era errático e de maneira nenhuma contínuo. Contudo, ele observou em seus experimentos que a corrente era induzida no condutor sempre que o imã se movimentava em direção perpendicular à direção da corrente. Supôs, por simetria, que o mesmo aconteceria no sentido inverso, ou seja, se a corrente se movimentasse em direção perpendicular à direção do campo magnético do imã, um torque seria produzido entre este e o condutor. Para por à prova esta idéia, idealizou o seguinte experimento.
Um imã em forma de barra é fixado em pé ao centro de um recipiente contendo um líquido condutor de eletricidade (por exemplo, o mercúrio). Suspenso por um suporte, um fio metálico rígido e livre para girar tem uma ponta mergulhada no líquido e a outra conectada a um dos pólos de uma bateria elétrica. O líquido é conectado ao outro pólo da bateria, de modo que a corrente elétrica atravesse o líquido. Faraday esperava que o fio metálico girasse em volta do imã, em um movimento circular de pêndulo. E foi o que de fato ocorreu.
Isso porque a corrente elétrica moveu-se na direção perpendicular ao campo magnético do imã, produzindo outro campo magnético que se opunha ao primeiro. A medida que o fio se desloca, provoca uma mudança na direção da corrente elétrica, mantendo o movimento circular. Obviamente este não é um modelo prático de motor, mas serve para demonstrar o princípio.
Vemos então que o primeiro motor elétrico inventado foi um motor CC. Uma variação deste princípio Foi aplicado no disco de Faraday.
Nesta montagem, um disco metálico é colocado entre os dois pólos de um imã. O eixo do disco é conectado a um dos pólos da bateria enquanto um contato elétrico do tipo “escova” liga o outro pólo da bateria à borda do disco. O disco começa a girar no momento em que a corrente é aplicada. Essa mesma montagem pode ser usada como gerador. Para isso. O disco deve ser movimentado (por exemplo, por uma manivela) e a bateria substituída pela carga (um galvanômetro, por exemplo).
O motor descrito acima é muito eficiente, mas possui uma capacidade limitada de produzir potência. Isso acontece porque o campo magnético produzido pela passagem da corrente pelo disco é muito pequeno. Descobriu-se mais tarde que se um fio condutor for enrolado na forma de bobina, ou solenóide, a intensidade do campo magnético produzido pela corrente aumenta em proporção ao número de espiras. Assim, os projetistas de motores começaram a pensar em motores que incluíssem solenóides para aumentar a potência produzida.
Não cabe aqui traçar um histórico completo do desenvolvimento dos motores elétricos. Meu objetivo foi apenas demonstrar que o motor elétrico nasceu como uma máquina de Corrente Contínua. Mais tarde, Nicola Tesla cria os primeiros motores e geradores de corrente alternada práticos e economicamente viáveis, transformando por completo a indústria elétrica (que ainda era insipiente) e popularizando o uso da energia elétrica.
Como disse anteriormente, os motores elétricos podem ser divididos em dois grandes grupos: os motores CC e os motores CA, tendo os motores Universais como intersecção entre os dois grupos. Existem os seguintes tipos de motores CC:
Motores CC de imã permanente: O tipo de motor mais simples. É composto por um estator (a parte externa do motor) no qual imãs permanentes são fixados. Um rotor ou armadura (a parte móvel) possui enrolamentos de cobre que produzem um campo magnético que se opõe ao campo do estator. Escovas de grafite são usadas para fornecer corrente ao rotor através de um coletor de cobre.
Originalmente este tipo de motor era usado apenas para aplicações de pequeno porte, pois os imãs permanentes eram muito fracos. Hoje em dia, imãs poderosos feitos de “terras raras” são capazes e superar em força eletroímãs poderosos, o que viabiliza as aplicações de grande porte.
Motores CC de bobina de campo: Nestes, o imã permanente é substituído por eletroímãs. Estes podem ser de excitação independente, caso em que uma fonte de energia separada é necessária para as bobinas de campo. Estas também podem ser ligadas em série ou em paralelo a armadura, ou mesmo é possível uma bobina em série e outra em paralelo. O tipo de excitação depende essencialmente das condições em que o motor será operado.
Motores de Corrente Alternada: Uma das desvantagens dos motores CC é a necessidade de escovas e coletores para fornecer corrente para a armadura. As escovas são pontos de perda de energia, tanto por atrito como por efeito Joule, que é o aquecimento resultante da passagem de corrente por um condutor. Quanto maior a resistência elétrica, maior a perda. Além disso, as escovas requerem manutenção constante em função do desgaste que sofrem. Mas por que a corrente tem que ser fornecida por escovas? Como vimos, uma corrente pode ser induzida em um condutor por um campo magnético. Então, por que não induzir a corrente na armadura? Na verdade, para induzir esta corrente, é necessário que o campo magnético varie no tempo. Isso é possível alimentando as bobinas de campo com uma corrente alternada. Existem basicamente tipos de motores de corrente alternada: monofásicos e trifásicos. Uma explicação sobre o funcionamento desses motores seria muito extensa para ser exposta neste artigo. Por razões técnicas, os motores de maior porte são produzidos na versão trifásica. Esses motores também são conhecidos como motores de Indução, pois uma corrente é induzida na armadura. Existem também os motores síncronos, onde a armadura é alimentada através de escovas ou substituída por imãs permanentes poderosos. Esses motores apresentam torque elevado e melhor relação peso-potência, mas também são de construção mais complexa ou usam materiais mais caros. Os motores de indução, por serem produzidos em larga escala e de construção simples são hoje os motores com a melhor relação custo/benefício para a indústria. Mas em virtude de suas aplicações serem tipicamente estacionárias, como em eletrodomésticos e máquinas industriais, não há uma preocupação com relação ao peso. Portanto, são normalmente motores muito pesados.
Apresento abaixo um resumo dos tipos de motor disponíveis no mercado, passíveis de utilização em veículos:
Motores CC de imã permanente;
Motores CC de excitação em série ou paralelo;
Motores CA de indução;
Motores CA Síncronos;
Existem também os motores CC “brushless”, ou sem escovas. Na verdade, estes são motores CA que incluem internamente um circuito eletrônico inversor. Portanto são, na verdade, motores CA.
Motores CA são muito convenientes quando uma fonte de energia CA (por exemplo, uma tomada). Mas no caso de veículos elétricos, a energia disponível vem de uma fonte CC (baterias). Para usar motores CA em veículos, é necessário converter CC em CA. Isso é feito através de inversores, circuitos eletrônicos especiais, semelhantes aos usados nos motores brushless.
Motores CC podem ser alimentados diretamente pelas baterias. No entanto, é necessário um controle de potência. Isso pode ser feito de duas formas. Uma delas é controlar a corrente na bobina de campo. Essa é a forma tradicionalmente usada na indústria e é o que foi utilizado nos primeiros veículos elétricos. Outra é utilizar controladores PWM, circuitos eletrônicos semelhantes aos inversores, mas muito mais simples. Estas informações nos permitem dividir os veículos elétricos em três grandes grupos:
Veículos CC com controle de corrente na bobina de campo;
Veículos CC com controle PWM;
Veículos CA com inversor.
A primeira opção permite um controle eficiente do motor. No entanto, como o controle é feito com o uso de resistências variáveis, o que implica em perdas e desgaste de componentes.
A segunda opção é mais eficiente energeticamente do que a anterior, mas o motor CC ainda apresenta perdas e desgaste nas escovas e coletores.
A terceira opção é a mais eficiente de todas. No entanto, o controle por inversor é caro e complexo. Contudo, a produção de inversores em escala industrial de consumo pode fazer o custo destes equipamentos cair muito.
Um aspecto interessante sobre os veículos elétricos e que eles estão, assim como computadores e telefones celulares, sujeitos à Lei de Moore, aquela que “profetizou" que a velocidade e capacidade de armazenamento dos computadores dobriam a cada 18 meses. Até hoje a lei de Moore não tem falhado na informática. Seria interessante observar fenômeno semelhante na indústria automobilística, pois conceitualmente, esta apresenta-se estagnada a mais de um século.
Para saber mais:
Apostila sobre motores elétricos - Fac. Engenharia Unesp
Lei de Moore
Boa tarde Gilvan.
ResponderExcluirLi seus comentarios, achei importante suas colocações, na realidade os motores eletricos não evoluiram, os equipamentos eletronicos evoluiram muito, mas ainda o aproveitamento da tecnologia não foi direcionado a Banco de Capacitores e motores eletricos adequadamente.
Pequisei por longo tempo esta questão, nossa equipe desenvolveu um motor/gerador onde cada milimetro é aproveitado e reaproveitado, conseguimos reaproveitar parcialmente a propria energia dispendida no motor, este motor sincrono com Imas Permanentes com BC, inversor, conversor, baterias etc.. possibilita a autonomi semelhante a um veiculo tradicional de combustão interna.
A visão que os especialista tem, como você mesmo descreve, sabem muito sobre pouco deve ser aproveitada por generalistas, aqueles que sabem pouco sobre muito. Só olhando a questão como um conjunto; motor, imas, capacitores, inversores, diodos, tirestores, igtb, baterias, etc., fazendo uma conexção entre diferentes circuitos, materiais e equipamentos é possivel melhorar o desempenho dos atuais motores.
A questão nem é chegar a 100%, veja uma dica, 100% do quê? da energia dispedida na transformação! Já pensaram no fluxo magnético, ele não é passivel de ser armazenado, aproveitado, consumido, ou qualquer tipo de manipulação, é como a água represada que gera energia nas turbinas da hidroeletrica, ela foi necesária mas não foi gasta, logo abaixo outras usias utilizarão a mesma água para a mesma coisa e assim sucessivamente. Meu ponto de vista é que se está perdendo muito tempo com novas fontes de força motriz para a geração de energia mas não estão desenvolvento tecnologia para aproveitamento pleno dos geradores e motores (motores/geradores). Neste campo ainda nada foi feito de concreto, é imenso o desafio, estamos empenhados em desvendar este compo inexplorado. Nossa equipe tem o prazer de ter um cientista especialista em magnetismo (PHD, vamos trocar ideias, poderemos ir longe.
Gostaria muito de conhecer detalhes sobre o seu trabalho com motores elétricos. Como posso entrar em contato?
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