Por que elétrico???

Durante muito tempo, os VE estiveram restritos ao "muito pequeno" ou ao "muito grande". No "muito pequeno" encontramos a propulsão elétrica em brinquedos e carros de golfe. Neste grupo, o que encontramos de maior são as empilhadeiras elétricas, muito usadas em ambiente interno, onde não há condições adequadas de ventilação, dificultando a dispersão dos gases de escape de um motor a combustão. No "muito grande", encontramos os trolleibus, os bondes (é, em alguns países eles ainda existem) e as locomotivas elétricas ou híbridas. Recentemente, avanços na  eletrônica de potência permitiram VEs ocupando o espaço entre esses dois mundos. O automóvel elétrico tornou-se tecnicamente viável.

No Brasil, mesmo antes desses avanços na eletrônica, tivemos o trabalho do pioneiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, com o seu Itaipú. Era um veículo pequeno e agil, mas com autonomia muito limitada. No entanto, foi utilizado por algumas empresas de energia elétrica como parte de suas frotas.

Mas por que elétrico? Qual a sua real virtude?

A primeira e principal vantagem é energética. Um motor a combustão obtém sua energia mecânica a partir da queima de um combustível, usando o calor gerado no processo para expandir algum fluido (vapor, ar, etc), que por sua vez impulsiona uma parte móvel (êmbolo, turbina, etc). Devido a limitações físicas, conhecidas como Limite de Carnot, a eficiência de um motor a combustão será sempre da ordem de 25% a 30%, se for um motor muito bom. Os motores de automóvel que temos à disposição dificilmente passam dos 20%. Um motor elétrico de má qualidade teria uma eficiência de pelo menos 85% e um de boa qualidade pode chegar fácil aos 98%.

A outra vantagem está relacionada com a curva de torque. Mas antes, gostaria de explicar alguns conceitos que tem sido mal compreendidos, os quais são de vital importância para a correta análise desta questão.

Primeiro, é necessário fazer uma distinção clara entre os conceitos de força, torque, energia, trabalho e potência.

O conceito de "força" foi primeiramente formalizado por Sir Isaac Newton e sintetizado na conhecida fórmula F=ma, onde "F" representa a força, "m" a massa do corpo a ser acelerado e "a" a aceleração deste corpo. Resumindo numa simplificação grosseira, "força" representa a capacidade de "acelerar" um objeto qualquer, ou seja, de alterar a sua velocidade. Se esta força for constante, esta variação ocorrerá de maneira também constante. Quando eu empurro um objeto, um carrinho de supermercado, por exemplo, este carrinho será acelerado enquanto eu continuar empurrando. Mas existe um limite, definido pelo atrito, que atua como uma  força contrária àquela que iniciou o movimento. Ou seja, se eu der um impulso no carrinho (um empurrão forte), o mesmo ganha velocidade até perder o contato com a minha mão, quando começa a desacelerar até a imobilidade. Se eu dispusesse de um piso completamente livre de atrito, eu daria o mesmo impulso e o carrinho manteria a sua velocidade máxima obtida com o impulso até encontrar o primeiro obstáculo que o leve a imobilidade. Esta capacidade dos corpos de manter a velocidade inalterada quando livre do efeito de forças é conhecido como "inércia". Graças as inércia, é possível manter satélites em órbita terrestre mesmo após terminado o combustível do foquete que lhe deu o impulso inicial.

"Torque" é um conceito mais sutil. Tem a ver com alavancas. Diz o mito que o lendário físico e inventor grego Arquimedes afirmou certa vez: "Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu levantarei o mundo!" Esta fantástica afirmaçao, embora exagerada, dá uma idéia do poder das alavancas. O torque dá a medida da capacidade de uma alavanca de realizar esforços em função do comprimento desta alavanca e da força aplicada sobre a mesma. Formalmente temos  T=FL, onde T representa o torque, F a força aplicada sobre a alavanca e L a distância entre o ponto de aplicação da força e o ponto de apoio, ou seja, o ponto de rotação da alavanca. A parte da alavanca posterior a este ponto de apoio e que realiza o esforço sobre o objeto a ser movido deve ser tratado como uma outra alavanca, de comprimento menor. Podemos tratar um motor qualquer como uma alavanca (ou conjunto de alavancas) que transmitem um determinado torque ao eixo do motor. O torque é uma das mais importantes características de um motor e  é o que define o seu desempenho.





Podemos dizer, de maneira sumária, que "energia" é a capacidade de realizar "trabalho" Ambos os conceitos estão intimamente relacionados, tanto que uma pode ser transformado no outro e  vice-versa. A formalização matemática de energia e trabalho é um pouco mais complexa. Como existe uma equivalência matemática entre os dois conceitos (veja bem, esta equivalência é apenas matemática!), vou apresentar a fórmula (extremamente) simplificada para trabalho. Em condições em que a força não varia no tempo, tanto em intensidade como em direção e sentido, podemos usar a representação T=Fd, onde "T" representa o trabalho (apresentado em negrito para distinguir de T usado para torque), "F" a força que realiza o trabalho e "d" o deslocamento do corpo que recebeu trabalho. Este "d" é fortemente dependente das condições de oposição ao movimento, como atrito, gravidade, campos elétricos ou magnéticos, etc.

"Potência" representa a taxa de "realização" de trabalho em função do tempo, ou também a taxa de transferência de energia para a realização deste trabalho. Matematicamente é representada por P=T/t, onde "P" representa a potência, "T" indica o trabalho realizado e "t" o período de tempo durante o qual este trabalho é realizado. Em um motor (elétrico ou a combustão) a potência é medida direta do torque e da rotação do eixo.

Após este minincurso de física, necessário em virtude da importância desses conceitos e da confusão que costuma acontecer entre eles (por exemplo, a confusão entre os conceitos de "força", "energia" e "potência"), podemos tratar das dintinções entre os motores a combustão e os elétricos.

Conforme mencionado anteriormente, a potência de um motor é função de seu torque e sua rotação. Matematicamente, P=Tr, onde "P" é a potência do motor, "T" o seu torque e "r" a rotação do motor. Contudo, esses valores não são fixos. Os motores podem operar em uma faixa de rotações que varia de zero até a sua rotação máxima. O torque pode ter um comportamento ainda mais variável, em função desta rotação. Nos motores a combustão, este torque varia em função da rotação. Quanto maior a rotação maior o torque. Quando a rotação é zero, o torque também é zero. Além disso, esse torque não varia de maneira linear com a rotação.





No gráfico acima, temos uma idéia do comportamento do torque de um motor a combustão em função da rotação. Observe que o gráfico começa em 1500 RPM. Abaixo disso, o torque cai tão drasticamente que a potência resultante torna-se insuficiente para operar o veículo. Observe também que tanto o torque quanto a potência crescem de maneira iregular com a rotação.

Os motoes elétricos tem um comportamento bem diferente. Meso em rotação próxima de zero, seu torque é máximo ou próximo do máximo. Alguns tipos de motores elétricos são capazes de operar em torque máximo numa grande faixa de rotações. Abaixo apresento a curva de torque e potência do Tesla Roadster, um esportivo elétrico de  sucesso:



Como podemos observar, a  curva de torque do motor do Roadster é quase linear e praticamente constante até quase 7000 RPM. Isto significa que a potência do motor  sobe de maneira praticamente linear até atingir a rotação na qual o torque começa a cair.

Podemor extrair duas consequências desta diferença de comportamento do  torque entre motores a combustão e elétricos:

Primeira consequência: Veículos elétricos necessitam de menos potência que veículos a combustão.

Os fabricantes de automóveis usam a potência de seus carros como chamariz de venda. Quanto maior a potência, dizem, melhor é o desempenho do carro. Tenho visto alguns veículos com potência máxima impressionante, mas com desempenho e comportamento medíocres. Porque isso acontece? Por causa da curva de torque de seus motores. No Brasil, são fabricados veículos de 1000 cilindradas que rivalizam em potência com outros de 1600 cilindradas. No entanto, seu desempenho continua medíocre como de qualquer veículo de 1000 cilindradas. Isso acontece por causa da curva de torque. Nos veículos de 1000 cilindradas, o torque máximo acontece em uma rotação muito elevada, muito próxima da rotação máxima. É por isso que nesses veículos, é necessário andar com a  rotação do motor elevada. No entanto, a potência máxima quase nunca é usada. Para manter a veloxidade máxima de 120 km/h no plano, são necessários apenas 15 a 20 hp. Em um veículo de 1000 cilindradas típico, que tem entre 60 a 80 hp, esta diferença é usada apenas em acelereções rápidas, e mesmo assim só em regimes em que altas rotaçoes do motor são possíveis. No restante do tempo, trata-se de uma reserva de potência inútil, porque ela só está lá como um efeito colateral do torque necessário para acelerar este veículo até os 120 km/h.

Em um veículo elétrico, um motor de 40hp pode fazer o serviço de um motor a combustão de 80hp MESMO TENDO QUE CAREGAR UM PESO ADICIONAL EM BATERIAS. Isso acontece em consequência da curva de torque deste motor, que fornece torque máximo em baixas rotações. Cito como exemplo o projeto de VE da Fiat em parceria como a Itaipú. O veículo, apesar de carregar várias centenas de quilos adicionais e possuir um motor com a metade da potência do original a gasolina, possui um desempenho ligeiramente superior a um carro 1000, com exceção da velocidade, que é limitada eletronicamente a 120 km/h para poupar baterias. Até porque, este é o limite de velocidade nas estradas brasileiras.

Segunda consequência: Veículos elétricos não necessitam de câmbio.

Como o  torque máximo ocorre desde a rotação quase zero, não é necessário realizar a conversão de potência em torque que ocorre no câmbio. Basta uma redução adequada ou nem mesmo isso, se o motor tiver potência suficiente. Isto simplifica a construção do veículo e reduz seu peso, bem como as perda por atrito inerentes a um sistema de câmbio.

Cito rapidamente outras vantagens do motor eletrico. Uma delas é que ele não precisa ficar ligado quando o veículo está parado (como em um semáforo ou um congestionamento). Outra é que este motor (ou pelo menos alguns tipos) podem funcionar como geradores durante uma frenagem ou a descida de uma ladeira, o que permite recuperar grande parte da energia gasta para colocar o veículo em movimento. Isto é chamado de frenagem regenerativa.

Todas essas características de alta eficiência energética, curva de torque constante, frenagem regenerativa, aliados à possibilidade de controle automatizado mais efetivo, poupando energia, faz do motor elétrico o ideal para aplicações tracionárias. Mas se é assim, por que não é amplamente usado?

Este é assunto para o próximo post.

Para saber mais:

http://carros.hsw.uol.com.br/motores-de-carros.htm
http://carros.hsw.uol.com.br/carros-eletricos.htm
http://www.teslamotors.com/

Comentários

  1. Isto sim é uma aula de física que eu gostaria de ter tido no antigo segundo grau.
    Só para acrescentar, Ferdnand Porsche, quando projectou o Fusca, previu a motorização eléctrica, entre outras aplicações, até porque seu primeiro veículo (de sua própria autoria, ainda no século XIX) era eléctrico.

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  2. De fato, o Lohner-Porsche, seu primeiro projeto, era um elétrico, como o eram grande parte dos projetos da época (1901).

    Fico contente que tenha gostado da minha "aula" de física. Eu não tinha semelhante pretensão, mas se houver interesse, posso publicar mais sobre este tema.

    Obrigado

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